Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones.
O conheci quando ambos tínhamos 13 anos. 7ª.série, 1972. Minha vida estava complicada, pois havia perdido uma irmã, moça ainda e minha família andava triste. Eu procurei acalmar minha tristeza no flerte.
Ele ainda é um homem muito bonito, atraente, gentil, educado e charmoso. Mas, todas essas qualidades, aliadas aos seus olhos verdes, às vezes azuis, e ainda por cima, um porte atlético, no moço de 14 anos, tiraram meu sono. E o fizeram durante 30 anos.
Eu era sua musa. Dessa vez eu tinha certeza. Ele me mimou com todos os versos e prosa que soube delinear. Fomos crescendo juntos e nos formando em gostos, cultura, hábitos, conquistas, amor, sexo.
Aprendemos quase tudo juntos.Eu não aprendi a beber, nem a fumar. Isso sempre nos diferenciou. Cheguei a odiar as loiras geladas, a ter ciúme do cigarro branco nos seus dedos fortes. Ele o segurava com tanto charme! E nesses momentos do prazer das tragadas, eu ali observava, de lado, meio que abandonada.
Foram muitos anos, foram muitos momentos. Nos acompanhamos dando-nos suporte do melhor jeito que podíamos. Me preocupava com seus vícios, mistério pra mim. Mas via suas mãos que tremiam.
As noites em que ele não me contava onde havia estado me faziam sofrer.Tanta lágrima eu não sabia onde me levaria. Mas previa o final da admiração. Quando as crianças vieram, tive ciúme, mas de perto observava o pai lindo que ele se tornara e a atenção que dispensava aos bebês. Não foi sábio pra dar conta de mim, eterna menina, defeito eterno meu. Hei de pagar e penar para sempre por isso. Até ser chamada de doente por isso. Pena.
Tempo passa, judia da gente. Minhas formas mudaram, as dele também. Eu não me perdoava pela ausência de desejo. Quis morrer, mas minha força não me permitia esse alívio instantâneo da dor. Tive mesmo que destilar o veneno amargo que me contagiou, minuto após minuto e que tragou meu amor.
A rejeição fez estragos enormes em mim. Busquei outros caminhos, reneguei o passado. Tornei-me outra mulher. Em quase todos os sentidos. Mantive, entretanto, uma menina que quer ir ler poesia no parque, sentada na toalha de quadros vermelhos, ao lado do poeta que a beija, suavemente.
Postado por sonia às 03:57
Comentários: (repostando):
Elaine disse:
estou emocionada!seu blog está tão bonito!não deixe jamais de escrever, de dizer sobre você.um beijo
elaine
4 de Junho de 2008 12:09
Celina disse...
Sônia,
Você conta a sua história com tanta sinceridade e emoção que não dá para ficar indiferente. Me emocionei com cada palavra que li, do encantamento da menina apaixonada à dor da mulher/menina na perda. Mas pense que não basta estar junto é preciso ser amada, não almeje menos que isso. E não desista nunca de um poeta que te beije suavemente e te faça feliz, plenamente feliz. Bjs Celina
5 de Junho de 2008 19:40
Benê disse:
Era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones... sabe, o senhor em que se transformou o garoto do seu texto continua amando os Beatles e os Rolling Stones. E ao longo desses anos adicionou ao seu gostar uma extensa e variada lista de autores e estilos... Tons, Chicos, Hermetos, Adonirans, Claras, Ellas, Bachs... Jazz and Blues (lembra?)...
Puxa, a lista é grande e você acompanhou sua criação, linha por linha, portanto é desnecessário continuá-la. Você mesmo disse que crescemos juntos na formação dos nossos gostos, da nossa cultura. Mas, o que escrever sobre seu texto tão pungente, tão lancinante? Dizer que lamento muito? Pedir perdão? Fazer um mea-culpa? Não, seria cinismo demais. E quantas vezes você reclamou disso, quantas vezes me pediu para não ser cínico, apesar de eu achar que algumas vezes era um ato de autodefesa. É engraçado... Não! É trágico mesmo...
Em um dos cursos da consultoria criei três regras que chamo de "fundamentais". Fundamentais por que formam a coluna mestra do conteúdo do curso. A primeira delas, e quiçá a mais importante, declara: "Não me ferir, não me deixar ser ferido e não ferir ninguém". Ela foi baseada na doutrina estóica do filósofo romano Epícteto que dizia mais ou menos assim: "Com exceção de uma grave agressão física, ninguém tem a capacidade de te ferir. A menos que você permita". Como dizia, é trágico, pois consegui quebrar os três enunciados da regra. Me feri, me deixei ser ferido, e o mais angustiante, feri você. Fardo suficiente para ser carregado pelo restante dos dias a que tenho direito ou que me foi concedido viver. Era um garoto que amava os Beatles, mas nunca soube cantar "Ticket to raid", afinal o inglês era a sua praia.
Ironicamente a música tem a seguinte passagem: "She say's that living with me is bringing her down! But she will never be free when I was around!". Pois é, de certa maneira, durante todos esses anos acabei tolhendo a sua liberdade, além da miopia aguda que impediu de enxergar-te a "eterna menina" (não, isso não é defeito, e fumar e beber não é um aprendizado, é martírio, é fado adverso...acredite!).
Entretanto me recuso a aceitar que no fardo que me referi acima estão contidos somente os estragos, as dores, os desencontros. Apesar dos ciúmes (como você escreveu), há as crianças e a certeza do momento exato em que foram concebidos, mistura de intenso tesão, profundo amor e devotado carinho. E há todos os momentos de enlevo, de alegria e emoção compartilhados assistindo um filme, ouvindo uma música, bebendo uma batida de pêssego com champangne. E por fim, as crianças (seres humanos lindos que são, sem corujice) foram forjadas não só pela herança genética de nós dois, mas também pelos momentos que vivemos juntos. Era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones...
Infelizmente aquele garoto está morto tal qual o da música, pois foi incinerado pelo napalm na guerra de seu Vietnã interior.
Benê
19 de Junho de 2008 17:21
Um comentário:
Este sim foi o texto mais comentado. Legal.
Postar um comentário